AINDA SOBRE O JURIDIQUÊS

HÚlide Maria dos Santos Campos, professora universitßria e doutoranda em Filologia pela USP

Em 2002, escrevi um artigo neste mesmo espaþo sob o tÝtulo, ôA preocupaþÒo com a linguagem jurÝdicaö. Minhas idÚias, um tanto polÛmicas, acabaram gerando um precioso debate sobre esse tema. Recentemente, foi publicado outro artigo sobre o mesmo assunto o qual o autor chamou de, ôAbaixo o JuridiquÛsö.

No dia 03.05.05, uma carta de um leitor foi enviada a este jornal, tambÚm tratando do mesmo tema, que tem Ýntima relaþÒo com as pesquisas que desenvolvo no curso de doutorado. Em outras palavras, estou hß mais de trÛs anos pesquisando sobre o rebuscamento da linguagem em textos jurÝdicos e por isso nÒo posso deixar de manifestar aquilo que penso sobre o assunto.

Sou professora de linguagem jurÝdica hß sete anos e durante todo esse tempo tenho mostrado aos meus alunos aquilo que Ú tÚcnico, preciso, exato e aquilo que Ú desnecessßrio, supÚrfluo, arcaico, rebuscado, que nÒo traz nenhuma contribuiþÒo ao texto em si.

Em momento algum, durante as minhas pesquisas ou durante as aulas e palestras que dou, penso em ôempobrecerö a linguagem jurÝdica, mas ao contrßrio, busco sin¶nimos, express§es que traduzam a mesma idÚia, porÚm com maior clareza, elegÔncia e objetividade.

Nossa lÝngua Ú muito rica, repleta de palavras variadas que demonstram o mesmo significado. Por que, entÒo, nÒo utilizar esse brilhante recurso que a lÝngua nos oferece? Penso que, ôfundamentado no art talö Ú muito melhor do que ôabroquelado no art talö; ambos possuem o mesmo sentido, entretanto, abroquelado s¾ Ú decifrßvel aos juristas. Outro exemplo: proemial delat¾ria, melhor seria usar den·ncia e tantos outros exemplos que poderia citar. Essas substituiþ§es tornam o texto mais claro ao leigo, Ós partes envolvidas num processo, que tÛm o direito de entender o que estß sendo expresso sobre elas.

Penso que essa Ú a sÝndrome do anacronismo, entendido como: ôfato que nÒo estß de acordo com a sua Úpocaö. Muitos juristas insistem em rechear seus textos com express§es do sÚculo XIX mesmo sabendo que esse nÒo Ú o nosso tempo. Ora, se a lÝngua Ú um c¾digo social, em uso, vivo, sup§e-se que ela estß constantemente sofrendo alteraþ§es. Todavia, alguns juristas pararam no tempo, como afirma Walter Ceneviva, ôo mundo evoluiu a jato, e o Direito, Ó carruagemö. + inegßvel a idÚia de que o mundo tem caminhado para uma comunicaþÒo rßpida e eficaz, mas para muitos a linguagem jurÝdica parou no tempo.

Quero salientar que, nÒo estou fazendo apologia da vulgaridade, do empobrecimento ou da banalidade da linguagem jurÝdica, pois compreendo que, em alguns momentos, os termos tÚcnicos nÒo podem ser dispensados, afinal, versamos sobre uma ciÛncia cujas palavras devem expressar conceitos precisos e definidos.

Por outro lado, reconheþo que hß uma enorme tendÛncia Ó preguiþa de pensar ou de escrever, talvez por conta dessa mesma comunicaþÒo informatizada, rßpida que nos cerca. Muitos profissionais acomodados nÒo desenvolvem suas idÚias como deveriam. Por isso Ú necessßrio buscar um caminho divisor, um meio de campo e Ú isso que tenho buscado.

Por causa da tese que desenvolvo, entrevistei vßrios juristas e pude constatar que nem mesmo os juÝzes gostam da linguagem rebuscada. Para a desembargadora do TRF do Recife, Dr¬. Margarida Cantarelli, ôA linguagem jurÝdica tem que ser mais acessÝvel, pois o leigo tem o direito de entendÛ-la sem precisar de um tradutor da sua pr¾pria lÝnguaö.

Estive, em dezembro de 2004, com o ministro Nelson Jobim, presidente do STF, e ele me disse o seguinte: ôA linguagem jurÝdica precisa deixar de ter esse estilo barrocoö.

Para Kleber Balsanelli, advogado da UniÒo, ôA linguagem jurÝdica tem que ser acessÝvel, sob pena de a justiþa nÒo cumprir o seu papel socialö. Para ele, o Judicißrio tem que permitir que o cidadÒo se sinta mais Ó vontade para aproximar-se desse poder.

Paulo SÚrgio Lima, promotor em Curitiba, me disse o seguinte: ôO berþo do Direito Ú Roma. Mas os romanos tambÚm eram contra a enrolaþÒo. Eram pragmßticosö. Ele me escreveu o seguinte: ôTenho que certas express§es jurÝdicas de origem latina, no direito penal, sÒo basilares. Por exemplo: "in dubio pro reo" (a d·vida em favor do rÚu); "in dubio pro societate" (na d·vida em favor da sociedade, quando no procedimento do j·ri, havendo d·vidas quanto ao crime, o juiz, na decisÒo de pron·ncia, manda para os jurados julgarem); "habeas corpus", entre outras. Agora ficar escrevendo "lon liquet" (nÒo hß prova), decisum (decisÒo), "simila, similibus" (Tratar semelhante como semelhante) Ú abusar do latim para mostrar falsa erudiþÒo, principalmente para seus constituintesö.

JoÒo Bosco Medeiros, autor do livro ôComunicaþÒo Escritaö afirma que, ôSÒo qualidades de um texto a propriedade e a eficßcia. A propriedade busca o emprego de express§es de uso corrente. Evitem-se, portanto, os vocßbulos arcaicos ou excessivamente preciosos / rebuscadosö.

Usar palavras arcaicas e rebuscadas Ú uma tendÛncia comum do operador do Direito, em funþÒo do tradicionalismo que cerca o mundo jurÝdico, entretanto, Ú importante repensar o uso das regras e tendÛncias que cercam essa linguagem.

HÚlide Maria dos Santos Campos Ú professora universitßria, autora do livro Catedral Eletr¶nica e doutoranda em Filologia pela USP.

Artigo retirado do site da AMB (www.amb.com.br)

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