ATS

O ATS E O NOVO REGIME REMUNERATÓRIO DA MAGISTRATURA DA UNIÃO


A ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO (AMATRA-SP) e a ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MAGISTRADOS DA JUSTIÇA DO TRABALHO (ANAMATRA), em razão da promulgação das Emendas Constitucionais nº 19/98 e 41/2003 e da edição da Lei 11.143/2005, nos solicita um parecer sobre a situação jurídica do adicional por tempo de serviço (ATS) na remuneração dos magistrados.


Analisada a matéria, estruturamos a sua abordagem em tópicos, os quais seguem abaixo estabelecidos:

I - Vencimento, Remuneração e Subsídio; II - Adicional por Tempo de Serviço; II.1 - ATS - Conceito - Vantagem pessoal; II.2 - ATS e incorporação ao patrimônio jurídico; III - ATS e Magistratura; IV - Disposições constitucionais e o teto; V - Subsídio e parcela única; VI - Valores recebidos em desacordo com a Constituição; VII - Lei 11.143/05 - Fixação de subsídio dos Ministros do STF; VIII - O direito adquirido; IX - Conceito de direito adquirido e implicações; X - Subsídio da magistratura, ATS e direito adquirido; X.1 A discriminação da magistratura; X.2 Inexistência de sub-teto à magistratura da União; X.3 Teoria da "incorporação" do ATS ao novo valor do subsídio; X.4 - Possibilidade de extinção para o futuro; X.5 - Direito ao percentual sobre o novo subsídio; XI - Direito adquirido e eventual e futura regulamentação do ATS; Conclusão


I - Vencimento, Remuneração e Subsídio
Segundo nos ensina Celso Antônio Bandeira de Mello, "vencimento", no singular, "é a retribuição pecuniária fixada em lei pelo exercício do cargo público". Esta retribuição também é comumente designada de "vencimento básico" ou "padrão". Quando ao vencimento são agregadas outras vantagens pecuniárias instituídas por lei, este conjunto é considerado como "remuneração" ou "vencimentos", e por muito tempo em nossa história foi designado como "estipêndio". Esta técnica é utilizada fartamente na legislação constitucional e infraconstitucional.
As "vantagens" pecuniárias que poderiam ser concedidas aos magistrados e servidores em geral, nos termos da lei, são normalmente catalogadas pela doutrina como sendo de três espécies: indenizações, gratificações e adicionais. A primeira espécie compreende o ressarcimento de despesas do servidor com a sua atividade profissional; a segunda remunera geralmente o exercício de função de chefia; e a terceira, remunera situações específicas, como o tempo de serviço prestado à administração, a atividade insalubre, o labor noturno, entre outras.
É legítimo e adequado socialmente que a administração pública conceda benefícios ou vantagens para determinadas carreiras ou funções, de conformidade com o interesse público e na forma da lei, até para que consiga atrair bons profissionais. As "entidades estatais se vêem, comumente, obrigadas a assegurar outros benefícios a seus servidores, pois os recruta em competição com o mercado empresarial. Daí por que os estatutos, além de encampar muitas das garantias outorgadas constitucionalmente aos trabalhadores do setor privado, costumam dispor sobre outros direitos e vantagens de que esses não desfrutam"
A LOMAN (Lei Complementar 35/79) estabeleceu que os magistrados seriam remunerados por "vencimentos", indicando que, além deles, outras vantagens pecuniárias também seriam outorgadas (Art. 65). Não estabelecia a Lei Orgânica da Magistratura um "vencimento" ao magistrado, podendo a lei estabelecer a remuneração composta de mais de uma verba como seu "padrão" de retribuição. Assim, agregava-se ao vencimento "padrão" dos juízes outras parcelas legais, como a representação e a parcela autônoma de equivalência.

II - Adicional por Tempo de Serviço
Tratar de modo desigual os desiguais pode ser um fator adequado de distribuição de justiça no ambiente de trabalho e encontra amparo no ordenamento jurídico, justamente como fonte de equilíbrio entre os envolvidos. "Genericamente, todos os servidores são iguais, mas pode haver diferenças específicas de função, de tempo de serviço, de condições de trabalho, de habilitação profissional e outras mais, que desigualem os genericamente iguais." Mais precisamente, quanto ao ATS, é o mesmo Hely Lopes Meirelles que o justifica, indicando ser "louvável sua adoção, pelo sentido de justiça que tal acréscimo apresenta para aqueles que há mais tempo se dedicam ao serviço público, e nos quais se presume maior experiência e mais eficiência no desempenho de suas funções, o que justifica o acréscimo estipendiário, sem correr os azares de uma eventual promoção".
Tal parcela está integrada ao serviço público brasileiro por muito tempo, vinda da Lei de 14.10.1827, interpretada pelo Aviso Imperial 35, de 10.2.1854, estabelecendo que ela "tem em vista remunerar serviços já prestados; sendo de natureza mui diversa das gratificações que se concedem em vista de serviços prestados na atualidade".
Deste modo, a instituição do adicional por tempo de serviço, comumente chamado pela sua sigla ATS, cumpre uma necessária função, e a compreensão de sua natureza jurídica revela-se de suma importância à conformação final deste parecer, como veremos a seguir.

II.1 - ATS - Conceito - Vantagem pessoal
A doutrina de Hely Lopes Meirelles conceitua o tema com impar desenvoltura e erudição, ao estabelecer que "adicional por tempo de serviço é o acréscimo pecuniário que se adita definitivamente ao padrão do cargo em razão exclusiva do tempo de exercício estabelecido em lei para o auferimento da vantagem. É um adicional ex facto temporis, resultante de serviço já prestado - pro labore facto. Daí por que se incorpora automaticamente ao vencimento e o acompanha na disponibilidade e na aposentadoria. Este adicional adere ao vencimento para todos os efeitos legais, salvo `para fins de concessão de acréscimos ulteriores, sob o mesmo título ou idêntico fundamento´ (Constituição da República, art. 37, XIV), pois a regra é sua vinculação ao padrão de vencimento do beneficiário."
Portanto, o ATS é uma contraprestação especial paga em acréscimo ao vencimento, em razão de um determinado tempo de trabalho já prestado pelo servidor à administração.
Neste sentido, por estar vinculado à situação específica do beneficiário que cumpriu o período pré-estabelecido para o seu recebimento, o ATS se caracteriza como uma "vantagem pessoal".

II.2 - ATS e incorporação ao patrimônio jurídico
Ao cumprir o período pré-estabelecido para aquisição do direito da vantagem consistente no adicional por tempo de serviço, ao servidor não pode ser negado o pagamento respectivo. O direito já está incorporado ao seu patrimônio jurídico e deve ser pago juntamente com o seu vencimento, quase se equiparando a um efetivo aumento "salarial".
Conforme nos explica Themistocles Brandão Cavalcanti, esta mesma definição já teria sido dada pelo Conselho de Estado, por uma resolução de 19 de janeiro de 1834, nos seguintes termos:
"A gratificação dessa espécie é pro-labore facto e não pro labore faciendo; é mais um aumento de ordenado que gratificação propriamente; é como uma tensão ou pensão com que a lei remunera o empregado, a cujo patrimônio se incorpora..."
Utilizaremos mais uma vez as palavras do mestre Hely Lopes, para fundamentar a concepção sobre esta incorporação:
"Certas vantagens pecuniárias incorporam-se automaticamente ao vencimento (v.g., por tempo de serviço) e o acompanham em todas as suas mutações, inclusive quando se converte em provento da inatividade..".
"...tornam-se devidas desde logo e para sempre com o só exercício do cargo pelo tempo fixado em lei..."
"O que convém fixar é que as vantagens por tempo de serviço integram-se automaticamente no padrão de vencimento, desde que consumado o tempo estabelecido em lei..."
"E a razão dessa diferença de tratamento está em que as primeiras (por tempo de serviço) são vantagens pelo trabalho já feito (pro labore facto)."

III - ATS e Magistratura
Aos magistrados, a parcela objetivada pelo estudo de Hely encontrou abrigo explícito junto ao artigo 65, inciso VIII, da LOMAN, conferindo aos membros da Magistratura uma vantagem pessoal pecuniária, em seguida a fato determinado (tempo de serviço) e em virtude do empenho como membro do Poder Judiciário, ou mesmo fora dele, a exemplo da advocacia, em razão dos serviços prestados.
Diz a LOMAN, em seu art. 65: "Além dos vencimentos, poderão ser outorgadas aos magistrados, nos termos da lei, as seguintes vantagens:(...) VIII - gratificação adicional de cinco por cento por qüinqüênio de serviço, até o máximo de sete;"
Com isso, estimula a permanência na carreira e premia a experiência no serviço público, sempre com intenção à concessão de efeitos vantajosos e busca de repercussão positiva nos resultados da atividade judicante.

IV - Disposições constitucionais e o teto
O texto originário da Constituição Federal de 1988, naquilo que nos interessa, impôs limites máximos de estipêndios para os três poderes no art. 37, XI, in verbis:
"a lei fixará o limite máximo e a relação de valores entre a maior e a menor remuneração dos servidores públicos, observados, como limites máximos e no âmbito dos respectivos Poderes, os valores percebidos como remuneração, em espécie, a qualquer título, por membros do Congresso Nacional, Ministros de Estado e Ministros do Supremo Tribunal Federal...".
Além de o constituinte originário objetivar limites máximos, sistematizou a proibição em se erigir o direito adquirido como forma de impedir quaisquer meandros tendentes a suplantá-los, consoante expressamente inscreveu junto ao art. 17, caput, do ADCT, in litteris:
"Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título." (grifamos)
Desde logo entendeu o Supremo Tribunal Federal, interpretando tais normas em conjunto com o art. 39, § 1º, em seu texto original, pela não inclusão das "vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local do trabalho" nestes limites, no julgamento:
"AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROPOSTA PELA ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. O parágrafo 2º do artigo 2º da Lei Federal n. 7.721, de 6 de janeiro de 1989, quando limita os vencimentos dos Ministros do Supremo Tribunal Federal - "computados os adicionais por tempo de serviço" - à remuneração máxima vigente no poder executivo, vulnera o art. 39, par. 1., "in fine", da Constituição, que sujeita a tal limite apenas os "vencimentos", excluídas as vantagens "pessoais". Compatibilidade do conceito de "vencimentos" estabelecidos na lei complementar n. 35/79 e em outros artigos da lei maior com a exegese do aludido dispositivo constitucional. Procedência parcial da ação para declarar inconstitucionais as expressões `... e vantagens pessoais (adicionais por tempo de serviço)...`, constante do par. 2º, art. º da Lei 7.721/89." (ADI 14/DF, Pleno, Ministro Célio Borja, DJU de 01-12-1989, PP-17759).
Assim, nos termos do quanto decidido pela Suprema Corte Brasileira, o valor máximo de remuneração legal se limitaria ao "vencimento", podendo o magistrado continuar recebendo valores superiores, em razão de suas "vantagens pessoais" (v.g., ATS).
As Emendas Constitucionais n. 19/98 e 41/2003 trouxeram relevantes modificações nesse sistema, instituindo como teto único o subsídio mensal pago, em espécie, aos ministros do Supremo Tribunal Federal. Ao estudo, em razão da vigência, importa a transcrição do texto atual do inciso XI do artigo 37, no que nos interessa no presente estudo:
"a remuneração e o subsídio dos ocupantes de cargos, funções e empregos públicos da administração direta, autárquica e fundacional, dos membros de qualquer dos Poderes da União, (...) percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza, não poderão exceder o subsídio mensal, em espécie, dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, (...)".
E o § 4º do artigo 39, da Constituição da República, acrescido pela Emenda Constitucional nº 19/98, vedou o acréscimo de quaisquer outras parcelas remuneratórias, mas determinou a observância expressa dos incisos X e XI do artigo 37:
"O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI." (grifamos)
Cumpre destacar que a Constituição deve ser interpretada no sentido da maior efetividade das garantias constitucionais, como faz Celso Ribeiro Bastos:
"O princípio da máxima eficiência (Canotilho) significa que sempre que possível, deverá ser o dispositivo constitucional interpretado num sentido que lhe atribua maior eficácia.
Este axioma deixa bem visível o vazio de conteúdo, em nível de adoção de valores, que apresentam todas essas fórmulas que se designam por postulados.
Como corolário deste axioma, extrai-se a máxima segundo a qual a lei não emprega palavras inúteis.
Mas cumpre advertir que o axioma aqui colocado não é sinônimo do que se designa por interpretação ampliativa, nem mesmo se pense em convertê-lo em estímulo para, em casos duvidosos, fazer prevalecer sempre a interpretação mais lata. Isto, seria, em muitos casos, subverter os fins para os quais existe a Constituição, dentre eles o da defesa do indivíduo."
Não nos parece juridicamente aceitável, diante do escorço legal e doutrinário, tenha pretendido o constituinte reformador a extirpação de direitos sacramentados sob a letra de texto legal anterior, quando o mesmo ordenamento determine a observância do inciso XI do artigo 37 da Constituição da República. Há evidente contra-senso interpretativo, sob a ótica lógica do primado da máxima eficiência do texto Constitucional e da intocabilidade das cláusulas pétreas (ex vi inc. IV, § 4º, art. 60 e XXXVI, art. 5º, CF), estabelecer-se padrão remuneratório em parcela única com vedação a acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória (§4º, art. 39), enquanto prescreva o inciso XI do artigo 37 a fixação dos subsídios, "incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza".
Realmente, se o dispositivo do art. 37, XI, estabelece que o subsídio dos ocupantes de cargo, incluídas as vantagens pessoais, não poderão exceder o subsídio dos Ministros do STF, o texto está a admitir que ao subsídio podem ser acrescidas "vantagens pessoais". Se no texto constitucional não há palavras inúteis, se está a perceber que o constituinte originário não pretendeu eliminar as vantagens pessoais.
O constituinte derivado, por sua vez, ao editar o § 4º do art. 39, militou invadindo a sua esfera de atuação. Além disso, foi contraditório, ao estabelecer um subsídio em "parcela única" mas, ao mesmo tempo, mandando observar o disposto no inciso XI do art. 37, que prevê, como vimos, a possibilidade de os ocupantes de cargo na magistratura terem "vantagens pessoais".
Cumpre observar, ainda, que há legislação ordinária regulamentando o inciso XI, do art. 37, da Constituição Federal. Trata-se da Lei n. 8.852/94 ("Dispõe sobre a aplicação dos arts. 37, incisos XI e XII, e 39, § 1º, da Constituição Federal, e dá outras providências"), que conceitua a remuneração da seguinte forma:
"Art. 1º Para os efeitos desta Lei, a retribuição pecuniária devida na administração pública direta, indireta e fundacional de qualquer dos Poderes da União compreende: (...) III - como remuneração, a soma dos vencimentos com os adicionais de caráter individual e demais vantagens, nestas compreendidas as relativas à natureza ou ao local de trabalho e a prevista no art. 62 da Lei nº 8.112, de 1990, ou outra paga sob o mesmo fundamento, sendo excluídas: (...) n) adicional por tempo de serviço" (sem grifos)
Portanto, parece ser claro que o legislador já pretendeu disciplinar a matéria, estabelecendo que para a apuração da remuneração ou subsídio, o adicional por tempo de serviço não seria computado.
Na mesma esteira, é o ensinamento do Mestre Alexandre de Moraes (Direito Constitucional. 18ª ed. atual. até a EC nº 47/05. São Paulo: Atlas, 2005, p. 366), eminente Conselheiro do Conselho Nacional de Justiça:
"Em conclusão, entendemos inadmissível qualquer interpretação seja da EC nº 19/98, seja da EC nº 41/03 que possibilite o desrespeito aos direitos adquiridos dos servidores públicos, às vantagens pessoais incorporadas regularmente aos seus vencimentos, e conseqüentemente, integrantes definitivamente em seu patrimônio, em face de desempenho efetivo da função ou pelo transcurso do tempo, como por exemplo anuênios ou qüinqüênios. Irrefutável a argumentação do saudoso Hely Lopes Meirelles, quando afirma que `vantagens irretiráveis do servidor só são as que já foram adquiridas pelo desempenho efetivo da função (pro labore facto), ou pelo transcurso do tempo (ex facto temporis).
Em relação a essas vantagens, consubstanciou-se o fator aquisitivo, configurando-se a existência de direito adquirido, pois conforme salienta Limongi França, `a diferença entre a expectativa de direito e direito adquirido está na existência, em relação a este, de fato aquisitivo específico já configurado por completo." (grifamos)

V - Subsídio e parcela única
Como vimos no item anterior, a introdução do subsídio enquanto "parcela única", no sistema jurídico nacional (art. 39, § 4º), além de contraditório (por mandar considerar o art. 37, XI), ocorreu em violação ao disposto pelo constituinte originário. De todo modo, ainda, não pode a norma irromper em violação ao direito adquirido dos servidores e magistrados, uma vez que este se constitui em cláusula pétrea.
Se pode facilmente observar que a "parcela única" não é "tão única" assim, na medida em que outras verbas continuarão sendo pagas aos magistrados, tais como: 13º salário, abono de 1/3 sobre férias, auxílio alimentação, gratificação eleitoral, gratificação pelo exercício em comarca de difícil provimento, pelo exercício de cargo em substituição, entre outros.
Além disso, é o próprio texto constitucional, em seu art. 39, § 3º, que estabelece o pagamento de outros benefícios aos servidores, o que torna incompatível a norma da "parcela única" no âmbito da própria Constituição Federal.

VI - Valores recebidos em desacordo com a Constituição
O art. 17 do ADCT, como já vimos, teve sua interpretação limitada pelo STF, ao estabelecer que as "vantagens pessoais" do magistrado não seriam computadas para efeito de redução. De toda sorte, cumpre observar que aquele dispositivo transitório, ainda que limitado pelo STF, tinha como base de existência uma situação fática e jurídica reconhecida pelo constituinte originário. Por se tratar de uma regra transitória, ela se exauriu já nas situações presentes naquele momento. Não poderia, jamais, o constituinte derivado fazer "renascer" aquela regra para situação futura, posto que ela se aplicava a circunstâncias pretéritas.
Agora, debrucemo-nos, sobre o art. 9º da Emenda Constitucional nº 41/2003:
"Aplica-se o disposto no art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias aos vencimentos, remunerações e subsídios dos ocupantes de cargos , funções e empregos públicos (...) e dos demais agentes políticos e os proventos, pensões ou outra espécie remuneratória percebidos cumulativamente ou não, incluídas as vantagens pessoais ou de qualquer outra natureza."
De qualquer sorte, a impossibilidade em se restaurar a eficácia do artigo 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias está em seu exaurimento com a promulgação da Constituição Federal em 1988, com a qual se estabeleceu a redução dos valores percebidos acima dos limites então fixados pelo legislador constituinte originário. Aliás, o que quer a Emenda Constitucional n. 41/2003 agora é afrontar o preceito fundamental do direito adquirido, cláusula pétrea, que não pode ser excetuado nem mesmo pela dupla Emenda Constitucional.
Em parecer exarado sob pedido da Associação de Magistrados Brasileiros, o jurista José Afonso da Silva esgotou o tema ao analisar não somente a natureza da ressalva originária, mas, primordialmente, a limitação do poder reformador à Constituição:
"O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trata de regular e resolver problemas e situações de caráter transitório, ligados à passagem de uma ordem constitucional à outra. São produzidas pelo legislador constituinte originário por ocasião de uma mutação formal do regime constitucional com o objetivo de disciplinar situações jurídicas pendentes no momento da transição do regime velho. As disposições transitórias têm, por isso, sua eficácia circunscrita pela eficácia das disposições permanentes, por isso não são normas de indefinida aplicação, mas de aplicação limitada às situações jurídicas existentes naquele momento de transição como regra distinta, quer daquela posta pela norma ab-rogada, quer daquela posta pela norma ab-rogante. Por isso, têm efeitos concretos, porque disciplinam situações determinadas e concretas. Não são disposições autônomas, mas destinadas a vincular-se ou com a velha ou com a nova, ou trocar elementos de uma ou de outra. Não introduzem novidade, senão não seriam transitórias, mas introduzem particularidades na disciplina disposta por outras normas. Disso decorre as seguintes conseqüências: a) as disposições transitórias são necessariamente temporárias, não porque tenham um termo, mas porque destinadas a exaurir-se com o exaurimento, progressivo ou instantâneo, da situação concreta por elas contemplada; b) por essa razão, não admitem interpretação extensiva nem integração analógica, porque as situações concretas, exatamente por serem concretas, são únicas e exclusivas e, nessa qualidade não admitem analogias e porque situações análogas são situações diferentes, conquanto semelhantes, e, assim, admitir-se a extensão de uma disposição transitória a uma situação análoga à que ela disciplina seria dar vida a outra disposição transitória; c) disposições transitórias só disciplinam situações de transição a respeito das normas velhas, pois a respeito das novas normas não podem ocorrer questões transitórias; d) a eficácia exaurida de disposição transitória não se restabelece."

VII - Lei 11.143/05 - Fixação de subsídio dos Ministros do STF
Em 26 de julho de 2005 foi promulgada a lei 11.143 que fixa o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal e o seu texto dispõe o seguinte:
"Art. 1o O subsídio mensal de Ministro do Supremo Tribunal Federal, referido no art. 48, inciso XV, da Constituição Federal, será de R$ 21.500,00 (vinte e um mil e quinhentos reais) a partir de 1o de janeiro de 2005.
Art. 2o O caput do art. 2o da Lei no 8.350, de 28 de dezembro de 1991, passa a vigorar com a seguinte redação a partir de 1o de janeiro de 2005:
"Art. 2o A gratificação mensal de Juízes Eleitorais corresponderá a 18% (dezoito por cento) do subsídio de Juiz Federal."
Como se observa do dispositivo legal mencionado, a norma não extinguiu o ATS enquanto "vantagem pessoal" dos magistrados. O texto nem mesmo revoga a LOMAN, neste particular. A lei se dispôs apenas a fixar o subsídio dos Ministros do Supremo Tribunal Federal.
Cumpre verificar que inclusive esta mesma norma reconhece a possibilidade de, além do subsídio "em parcela única", haver o pagamento de outras verbas, como a gratificação mensal do juiz eleitoral.
De toda sorte, exaustivamente se demonstrou que quando a Lei de fixação dos subsídios passou a viger, encontrou situações jurídicas definitivas e imutáveis decorrentes de atos jurídicos perfeitos cristalizados nos termos da legislação anterior, da qual desponta o direito adquirido à manutenção do adicional por tempo de serviço. Portanto, esbarrou-se o legislador constituinte derivado contra o primado da máxima eficiência do texto Constitucional e a intocabilidade das cláusulas pétreas (ex vi inc. IV, § 4º, art. 60 e XXXVI, art. 5º, CF).
A lei de fixação de subsídio dos Ministros do STF não traz redação alguma quanto ao tema, não pretendeu e nem poderia aduzir que os magistrados que tinham direito ao ATS tiveram tal parcela extinta.

VIII - O direito adquirido
A garantia à tutela das situações consolidadas pelo tempo há muito repercute nos ordenamentos jurídicos contemporâneos e advém da necessidade de se proporcionar estabilidade e certeza para a proteção de direitos sedimentados na vida diária dos homens e dos povos, a atingir o ideário da segurança jurídica, que depende de um conjunto de normas aptas à manutenção do complexo de condições destinadas a salvaguardá-los do arbítrio.
Essa certeza é a base da segurança, encontrando na igualdade de condições a sua ratio essendi, propiciando ao cidadão o conhecimento prévio das conseqüências de suas próprias ações, a par dos efeitos que a ordem jurídica atribui ao seu comportamento.
Ao debruçar-se sobre o tema Raul Machado Horta dissertou que "a elaboração da idéia de direito adquirido vincula-se a permanência de facta praeterita, que a regra do Imperador Teodósio formulou no ano 440, em famoso enunciado romanístico, vedatório da revogação de facta praeterita pela lei".
Com supedâneo nas condições preexistentes e sua subsunção à lei antiga ou nova, a precedência do tempo no domínio do Direito Privado atraiu a atenção dos civilistas para a proteção de interesses privados ainda quando, em se observando o curso histórico, desconhecia-se qualquer compilação da idéia material e documental da Constituição. A construção conceitual de direito adquirido impôs a fixação do princípio da imutabilidade e da irrevogabilidade da situação anterior por ato contrário e sucessivo capaz de desfazê-la com dano ou prejuízo ao seu titular, incorrendo a criação da regra técnica de defesa da posição vantajosa.
Criação do direito anterior, que o consolidou, o direito adquirido se antepunha ao direito novo e às mudanças decorrentes do direito novo, e a lei, como norma abstrata, passou a dispor não somente sobre a conformação das garantias obtidas sob os auspícios da regra pretérita, mas também sobre a irretroatividade dos novos textos como sistema protetivo ao direito adquirido, assegurando a permanência e a incompatibilidade entre o direito antigo e o novo direito legislativo.
Vicente Ráo em erudito estudo dispôs que "a inviolabilidade do passado é princípio que encontra fundamento na própria natureza do ser humano, pois, segundo as sábias palavras de Portalis, o homem, que não ocupa senão um ponto no tempo e no espaço, seria o mais infeliz dos seres, se não se pudesse julgar seguro nem sequer quanto à sua vida passada. Por essa parte de sua existência, já não carregou todo o peso do seu destino? O passado pode deixar dissabores, mas põe termo a todas as incertezas. Na ordem do universo e da natureza, só o futuro é incerto e esta própria incerteza é suavizada pela esperança, a fiel companheira da nossa fraqueza. Seria agravar a triste condição da humanidade querer mudar, através do sistema da legislação, o sistema da natureza, procurando, para o tempo que já se foi, fazer reviver as nossas dores, sem nos restituir as nossas esperanças"
As Constituições Brasileiras de 1824 e de 1891 preocuparam-se desde logo a fulminar a utilização retroativa da lei e as posteriores, com exceção apenas da Carta de 1937, ressalvaram fórmulas técnicas explícitas da irretroatividade para resguardar a trilogia clássica (direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada).

IX - Conceito de direito adquirido e implicações
A dificuldade para a definição de qualquer conceito é conhecida e sobreleva-se quando se direciona ao direito adquirido. Novamente o escorço de Vicente Ráo: "Seja qual for a doutrina que se aceite, o que não sofre dúvida é não haverem os juristas, até hoje, encontrado uma fórmula única e geral, aplicável a todos os aspectos do conflito das leis no tempo. E por haver-se, afinal, verificado a impossibilidade da compreensão de toda a disciplina em uma só fórmula, em um só princípio, Roubier, em sua citada exposição de motivos do anteprojeto de reforma do Código Civil francês, procura apresentar tantos princípios, ou quando menos, tantas regras gerais, quantas se revelarem necessárias".
Referência sempre mencionada no estudo da matéria, o italiano Gabba lança a seguinte definição: "é adquirido todo direito que: a) é conseqüência de um fato idôneo a produzi-lo, em virtude da lei do tempo no qual o fato foi consumado, embora a ocasião de fazê-lo valer não se tenha apresentado antes da atuação de uma lei nova sobre o mesmo; e que - b) nos termos da lei sob cujo império se entabulou o fato do qual se origina, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu".
É um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada e extingue a relação jurídica que o fundamentava. Se o direito subjetivo não foi exercido, advindo a lei nova, transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando lhe conviesse. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não o ter exercido antes.
Não é rara a afirmativa de que não há direito adquirido em face de lei de ordem pública ou de direito público. Mas Caio Mário da Silva Pereira assinalou a idéia do direito adquirido, tal como consignada na Lei de Introdução ao Código Civil, e sua incidência tanto sobre o direito público quanto sobre o direito privado, definindo que a existência de um direito subjetivo, de ordem pública ou de ordem privada, advindo de fato idôneo a concretizá-lo sob a égide da lei vigente ao tempo em que ocorreu, e incorporado ao patrimônio individual, não pode a lei superveniente ofender.
O Supremo Tribunal Federal há muito assim se manifesta, servindo o aresto seguinte à hipótese:
"Princípio constitucional da intangibilidade das situações definitivamente consolidadas. No sistema constitucional brasileiro, a eficácia retroativa das leis - (a) que é sempre excepcional, (b) que jamais se presume e (c) que deve necessariamente emanar de disposição legal expressa - não pode gerar lesão ao ato jurídico perfeito, ao direito adquirido e à coisa julgada. A lei nova não pode reger os efeitos futuros gerados por contratos a ela anteriormente celebrados, sob pena de afetar a própria causa - ato ou fato ocorrido no passado - que lhes deu origem. Essa projeção retroativa da lei nova, mesmo tratando-se de retroatividade mínima, incide na vedação constitucional que protege a incolumidade do ato jurídico perfeito. A cláusula de salvaguarda do ato jurídico perfeito, inscrita na Constituição da República 5º XXXVI, aplica-se a qualquer lei editada pelo Poder Público, ainda que se trate de lei de ordem pública. Precedentes do STF.(...)" (STF, Ag 251533-6-SP, Min. Celso de Mello, v.u., j. 25.10.1999, DJU 23.11.1999, pp. 32/33).
No mais, cuidou o legislador ordinário em definir o direito adquirido na à Lei de Introdução ao Código Civil no § 2º, art. 6º: "Consideram-se adquiridos assim os direitos que o seu titular, ou alguém por ele, possa exercer, como aqueles cujo começo do exercício tenha termo prefixo, ou condição preestabelecida inalterável, a arbítrio de outrem".
O respeito ao direito adquirido, por constar no rol do artigo 5º da Constituição da República, caracteriza-se como uma cláusula pétrea (artigo 64, §4º, IV). Também o Supremo Tribunal Federal considera os direitos individuais como direitos humanos de primeira geração, modernamente denominados direitos "prima facie" e, portanto, intangíveis. Na frase de Pontes de Miranda, os direitos humanos constituem o "Núcleo Imodificável da Constituição".
Acerca da eficácia das cláusulas pétreas, sustenta com propriedade Uadi Lammêgo Bulos:
"Cumpre investigar a produção de efeito das cláusulas pétreas, que servem de parâmetro para sabermos o alcance da atividade reformadora. Elas são aquelas que possuem uma supereficácia total, como é o caso dos incisos I a IV, infra. Daí não poderem usurpar os limites expresso e implícitos do poder constituinte secundário. Logram eficácia total, pois contêm uma força paralisante de toda a legislação que vier a contrariá-las, de modo direto ou indireto. Daí serem insuscetíveis de reforma, e.g., arts. 1º, 2º, 5º, I à LXXVII, 14, 18, 34, VII, a e b, 46, p. 1º etc. Ultrapassá-las significa ferir a Constituição.
São, também, ab-rogantes, desempenhando efeito positivo e negativo. Tem efeito positivo, pois não podem ser alteradas através do processo de revisão ou emenda, sendo intangíveis, e logrando incidência imediata. Possuem, noutro prisma, efeito negativo pela sua força paralisante, absoluta e imediata, vedando qualquer lei que pretenda contrariá-las. Permanecem imodificáveis, exceto nas hipóteses de revolução, quando ocorre ruptura na ordem jurídica para se instaurar outra."
Em resumo, direito adquirido é aquele que, já integrante do patrimônio de seu titular, exerce-se a qualquer momento, não podendo lei posterior, que tenha disciplinado a matéria de modo diverso, causar-lhe prejuízo.

X - Subsídio da magistratura, ATS e direito adquirido
No dizer de Hely Lopes Meirelles, "é irretirável do funcionário precisamente porque representa uma contraprestação de serviço já feito. É uma vantagem pessoal, um direito adquirido para o futuro. Sua conditio juris é apenas e tão-somente o tempo de serviço já prestado, sem se exigir qualquer outro requisito da função ou do servidor".
É, pois, indiscutível a sua aptidão à incorporação patrimonial, no sentido do artigo 6º, §2º, da Lei de Introdução ao Código Civil.
A lei 11.143/2005 que regulamentou o artigo 39, § 4º da Constituição Federal teve efeito a partir da sua vigência, pois o entendimento da doutrina e da jurisprudência é no sentido de que o § 4º do artigo 39 e incisos X e XI do artigo 37 não se auto-aplicaram.
Realmente, a lei não o fez e nem poderia reger condições jurídicas para o passado, extinguindo direito já incorporado ao patrimônio dos magistrados. Como nos ensina Belizário Antônio de Lacerda, "o que pesa decisamente para o advento do direito adquirido é a reunião das condições de fato segundo a exigência da lei vigente à época do implemento das referidas condições, pouco importando se a lei futura venha a modificá-las."
Embora diante da regulamentação do § 4º do artigo 39 da Constituição da República, pretendam alguns interpretar que o adicional por tempo de serviço tenha sido extinto, não pode a lei retroagir para excluir os anuênios ou qüinqüênios dos juízes que já os possuíam, vez que incorporados ao patrimônio jurídicos destes, vale dizer: sob a égide da lei anterior, todas as condições para a aquisição do ATS foram adimplidas, não se tratando de mera expectativa de direito.
Com o advento da Lei n. 11.143/2005, ambos os requisitos prescritos por Gabba resultaram indubitavelmente atendidos no que diz respeito ao adicional adquirido em razão do serviço já prestado no tempo. Com efeito, o direito a essa vantagem fora conseqüência de fato idôneo a produzi-lo (o tempo de serviço do magistrado), em virtude da lei do tempo no qual o fato se consumou (artigo 65, VIII, da LOMAN). Consumado o fato gerador, tal direito podia desde logo ser exercido, o que significa que estava atendido o pressuposto legal (artigo 6º, §2º, da LICC). Enfim, com o advento da Lei nº 11.143/2005, o direito às "gratificações" por tempo de serviço já integrava o patrimônio jurídico de tantos quantos haviam completado os anuênios ou qüinqüênios, visto que não havia qualquer outro requisito ou pressuposto a cumprir.
Simplesmente excluir o ATS - vantagem pessoal - de quem já o possuía, atenta contra o princípio da irretroatividade das leis, do direito adquirido, da cidadania e da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, CF/88), todos eles fundamentos magnos da Constituição Federal.
A incursão lógica ao ordenamento jurídico é de extrema valia para a compreensão de que não intentou o constituinte derivado, e não o poderia, sobrepor-se aos direitos acobertados pelo manto da tão estudada imutabilidade da situação anterior.
Também Celso Antônio Bandeira de Mello aborda exatamente esta matéria: "Assim, exempli gratia, se o adicional por tempo de serviço a que os servidores públicos federais fazem jus (hoje de 1% ao ano) viesse a ser extinto, os que já houvessem completado um ano de serviço (ou dois, três etc.) continuariam a perceber este acréscimo de um (dois, três) por cento, conforme o caso, por já haverem perfazido o necessário à aquisição do direito quanto às sobreditas parcelas...".

X.1 A discriminação da magistratura
É imprescindível notar que, em estrita observância ao princípio exarado por Canotilho, instituiu a Emenda Constitucional n. 19/98 subsídio àqueles que compõem o patamar mais elevado da Administração Pública, os agentes políticos. Estes, como os demais servidores públicos, estão submetidos ao teto remuneratório instituído pelo art. 37, XI, da Carta Magna e são remunerados por parcela única. Todavia, a manutenção das vantagens pessoais somente aos servidores públicos não remunerados por subsídio acarretaria uma subversão da normal organização administrativa, permitindo a remuneração até o teto a tais servidores, mas aos agentes políticos somente a parcela única decorrente do escalonamento determinado pelo art. 93, V, da Constituição. Tal aplicação literal do art. 39, § 4º, da Carta Política evidentemente não converge à ordenação lógica admitida e esperada, e malfere o primado de máxima eficácia da norma constitucional.
Permitir aos servidores a manutenção de suas vantagens pessoais e impedi-la aos magistrados acarretaria odiosa discriminação de uma carreira que, ao contrário, deve ser privilegiada do ponto de vista jurídico, diante da sua alta responsabilidade e importância para o Estado.
Em razão de sua situação "funcional" na hierarquia dos serviços prestados no âmbito do Poder Judiciário, ao magistrado deve ser garantida a melhor retribuição, devendo a sistemática jurídica observar tal princípio: "Ao determinar o estipêndio deve o legislador levar em conta vários fatores, como o custo de vida o grau que o funcionário ocupa na hierarquia, o maior ou menor preparo científico ou técnico que deve possuais, as despesas denominadas `de representação`que o desempenho do cargo possa exigir...".
Não teria sentido que um servidor pudesse, com suas vantagens pessoais, chegar ao teto estabelecido pelo subsídio do Ministro do STF, e ao magistrado fosse vedado tal direito. A Constituição Federal, além de ter que ser interpretada dentro de parâmetro da razoabilidade, a ainda é expressa em indicar, em seu art. 39, § 1º, que "a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observará: I - a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira".
Permitir-se ao servidor, hierarquicamente inferior ao magistrado, a manutenção de vantagens pessoais e não adotar o mesmo padrão para os juízes, seria incorrer em sistema ilógico, incompreensível e vedado pela norma constitucional (art. 39, § 1º, I).

X.2 Inexistência de sub-teto à magistratura da União
Caso se admita que houve a eliminação das vantagens pessoais dos magistrados, estar-se-ia instituindo, indiretamente, um "sub-teto" para os magistrados da União, situação não prevista e até mesmo afastada na Constituição Federal. A norma prevista na Carta Magna diz respeito apenas a um "teto", não superior a de Ministro do Supremo Tribunal Federal (art. 37, XI).
Se a Constituição estabelece que a remuneração dos magistrados não pode superar o subsídio de Ministro do STF, isto significa que ela (a remuneração dos magistrados) pode chegar até lá, embora não o possa superar.
Para ter a possibilidade de chegar até o teto, o subsídio do magistrado, de acordo com a sua posição na carreira, deve ser acrescido de suas vantagens pessoais. Do contrário, seria ilógico e inaplicável a disposição constitucional, situação que não pode ser admitida pelo intérprete, na medida em que a Carta Magna não traz termos ou disposição supérflua.
Não havendo "sub-teto", os magistrados não podem ter suas vantagens pessoais retiradas, até porque já adquiridas na forma do sistema jurídico vigente.

X.3 Teoria da "incorporação" do ATS ao novo valor do subsídio
Alguns tentam sustentar que o valor do ATS teria sido incorporado ao valor que acabou sendo fixado a título de subsídio pela Lei 11.143/05 e, diante disso, tal parcela já estaria sendo recebida pelos juízes. Em primeiro lugar a lei nada diz a respeito de tal tema, circunstância que jamais poderia ser deduzida pelo interprete. O que a lei fez, em todas as suas letras, foi tão somente fixar o valor do subsídio do Ministro do STF, nada mais.
A referida "incorporação" do ATS no valor do subsídio fixado pela norma legal não pode ser presumida. Até se pode admitir que para apuração de um valor justo ou adequado a remunerar as altas responsabilidades de um Ministro do STF, se tenha verificado o valor então pago a título de adicional por tempo de serviço. Todavia, uma coisa é utilizar determinada fórmula de cálculo para apuração de um valor a servir de teto, e outra bem diferente é dizer que, com isso, se estaria eliminando as vantagens pessoais, para os que já haviam implementado todas as condições para o seu recebimento.
As situações não se confundem. Para estabelecer o valor do teto o legislador pode valer-se de padrões dos mais subjetivos e - não raro - até emocionais. Ele até pode ter se valido do conhecimento de quanto representava a parcela correspondente ao ATS na remuneração do Ministro do STF, para fixar o valor do subsídio. Todavia, ao atuar presumidamente deste modo, não significa que estivesse eliminando aquela vantagem pessoal do patrimônio jurídico dos magistrados. E o legislador efetivamente não procedeu desta maneira, pois a lei assim não o diz. Além disso, se incorporação houvesse, ela seria diferente para cada juiz, na medida em que as vantagens pessoais diferem no seu valor nominal, dependendo de seu estágio na carreira e do quanto de tempo de serviço já cumpriu.
Para que se pudesse pretender compreender que a lei teria feito a incorporação, ela deveria dizê-lo expressamente ou permitir a diferenciação entre os magistrados que se encontravam em situações diferentes na carreira. Não poderia a norma legal tratar os desiguais de modo equivalente, sob pena de cometimento de injustiça e violação do ordenamento jurídico.
Mesmo assim, ainda, muito se discutiria sobre esta possibilidade teórica, na medida em que o nosso ordenamento tradicionalmente afasta o chamado "salário complessivo", por intermédio do qual se pretende, com um único valor, pagar parcelas diversas e sem individualização.
Não há que se falar, portanto, em "incorporação" do ATS ao valor fixado para o chamado "teto constitucional". Ao estabelecer o valor do subsídio do Ministro do STF, a lei acabou fixando linearmente o novo patamar remuneratório da magistratura, de modo universal, sem extinguir as vantagens pessoais já conquistas, em especial o ATS (e nem poderia fazê-lo).
Ora, a tese da "incorporação" do ATS ao novo subsídio não se aplica, posto que mesmo os magistrados que não possuíam tal benefício legal passaram a receber igual remuneração daqueles cujo direito já estava integrado ao seu patrimônio jurídico, de modo que aquele "plus" já recebido por estes, em verdade, deixou de existir.
A perseverar este equivocado modo de entendimento (o da "incorporação"), alguns juízes estariam tendo, em verdade, aumento remuneratório diferenciado, em percentual superior a outros, o que também é vedado pela norma constitucional, em razão da necessária preservação da isonomia de tratamento aos membros de uma mesma carreira.
De fato, permitir que juízes que percebiam valores inferiores passem a receber o mesmo valor de outros que já contavam com um valor diferenciado em razão do serviço já prestado, incorporado à sua remuneração, significa admitir a existência de aumento salarial diferenciado, e a Constituição indica que a alteração de subsídio deve ser feita "sem distinção de índices" (art. 37, X).
Admitir a tese da incorporação, na hipótese aqui abordada, seria condenar uma parcela dos magistrados a um aumento real de vencimento em situação inferior aos demais. Seu patrimônio jurídico estaria sendo acrescido em percentual inferior aos demais, que não cumpriram com um tempo de serviço já prestado, nos termos da lei. Esta situação seria até mesmo injusta, posto que justamente os que teriam um menor tempo de serviço prestado à administração pública, gozariam de um aumento percentual superior aos outros, cuja legislação já premiou pela maior experiência na função. O prejuízo dos magistrados com maior tempo prestado ao serviço público e com seu patrimônio jurídico já acrescido de um direito legal, que passariam a receber um percentual de reajuste real inferior aos demais, é patente.
Ademais, ao admitir como válida a repelida tese da incorporação, se estaria procedendo a uma "equiparação" de situações jurídicas distintas, circunstância também vedada pela razoabilidade, pela lógica e pela Carta Magna (art. 37, XIII : "é vedada a vinculação ou equiparação de quaisquer espécies remuneratórias para o efeito de remuneração de pessoal do serviço público").
De todo modo, a lei não estabeleceu ou disciplinou sobre incorporação alguma e, por óbvio, não cabe ao intérprete criar uma situação jurídica nova, não prevista e em violação clara de princípios sistemáticos, legais e constitucionais.


X.4 - Possibilidade de extinção para o futuro
O ATS, enquanto direito adquirido, só é assim caracterizado se o magistrado já implementou as condições estabelecidas para que ele seja incorporado ao seu patrimônio jurídico. Nesta hipótese, o percentual correspondente ao período já trabalhado deve continuar a ser pago, juntamente com o vencimento do cargo. Isto não significa que a Administração Pública não possa extinguir da legislação tal benefício. A Administração Pública pode - embora não devesse fazê-lo - eliminar o ATS, mas sempre para o futuro, sem interferência nas situações jurídicas já consolidadas.
Neste sentido é o posicionamento de Bandeira de Mello: "se o adicional por tempo de serviço (...) viesse a ser extinto, os que já houvessem completado um ano de serviço (ou dois, três, etc) continuariam a perceber este acréscimo de um (dois, três) por cento, conforme o caso, por já haverem perfazido o necessário à aquisição do direito quanto às sobreditas parcelas, contudo, a partir da lei extintiva não mais receberiam novos acréscimos que lhes adviriam dos anos sucessivamente completados.".
Também Hely Lopes quem indica que a adoção do ATS "fica inteiramente a critério e escolha da Administração que pode concedê-lo, modificá-lo ou extingui-lo a qualquer tempo, desde que o faça por lei e respeite as situações jurídicas anteriores, definitivamente constituídas em favor dos servidores que já completaram o tempo necessário para a obtenção da vantagem."
A Lei 11.143/05, ao visar regulamentar o art. 39, § 4º, da Constituição Federal, pode fazer crer que tal direito estaria extinto, diante do comando de que o subsídio deve ser estabelecido em parcela única. Se o fez, esta medida deve obrigatoriamente ser estendida para todos os "membros de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros e Secretários", posto que "serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI." Não teria sentido, assim, que a regra geral fosse aplicada exclusivamente para os magistrados.
Já tivemos de abordar, neste trabalho, as incompatibilidades jurídicas desta norma. De todo modo, se a consideração final for pela extinção do ATS para os magistrados, com a promulgação da Lei 11.143/05, ela não poderá atingir os juízes que já haviam completado, quando da edição da lei, as condições legais para o recebimento do benefício. Não é recente o posicionamento do Supremo Tribunal Federal nesta mesma linha de raciocínio, como se constata de um julgado de 1931: "o direito adquirido à gratificação adicional por tempo de serviço só se entende quando o período legal transcorreu e termina ainda na vigência da lei que outorgou a gratificação".
X.5 - Direito ao percentual sobre o novo subsídio
O direito ao recebimento do percentual respectivo a que cada qual já havia incorporado ao seu patrimônio jurídico deve ser mantido, aplicado, agora, ao novo valor do subsídio legalmente estabelecido. Não se pode "congelar" o ATS do magistrado ao valor do vencimento antes recebido, posto que a Lei assim não o determina que se proceda. Além disso, o benefício, integrado ao patrimônio jurídico como um direito, foi estabelecido legalmente em "percentual" sobre os vencimentos (art. 65 da LOMAN).
A Lei 11.143/05 substituiu "vencimentos" por "subsídio" e, então, sobre esta nova verba é que será calculado o ATS, na forma como previsto originariamente. Do contrário, o ATS estaria sendo indireta e lentamente eliminado, com o passar dos anos, com a mudança da política remuneratória da magistratura, ou com a normal desvalorização da moeda. A utilização deste mecanismo seria um subterfúgio para, por outras vias, atingir um objetivo vedado pela sistemática jurídica, que seria a eliminação do ATS para os que já o incorporaram ao seu patrimônio jurídico enquanto direito adquirido.
Assim, mesmo se considerada a extinção do ATS para o futuro, aos magistrados que implementaram as condições para o seu recebimento, deve ser garantido o percentual a que fazia jus quando da promulgação da Lei 11.143/05. Qualquer outra disposição que não a agora defendida, incorrerá em ilegalidade, pois o intérprete estaria legislando e, pior, para eliminar um direito adquirido pelo magistrado.

XI - Direito adquirido e eventual e futura regulamentação do ATS
O ATS, como já relatado, é um instrumento de importantíssima justiça no âmbito de qualquer carreira de Estado ou na administração pública. Uma vez reconhecido o direito adquirido dos que já implementaram todas as condições para o seu recebimento, na égide da legislação do momento, eles devem ter acrescido ao subsídio os respectivos percentuais a que fazem jus. Caso no futuro, todavia, haja nova regulamentação sobre o mesmo tema, instituindo-se nova sistemática de "premiação" ao magistrado, de acordo com o seu tempo de serviço prestado, por ter a mesma e exata natureza jurídica, as parcelas se compensarão. Não haveria, aqui, a sobreposição de pagamentos.
Assim, se uma nova sistemática de benefício pecuniário, pelo simples tempo de serviço prestado na carreira ou no serviço público, vier a ser estabelecido em patamar inferior àquele já incorporado ao patrimônio dos juízes que agora possuem o direito ao ATS, estes nada receberiam de acréscimo, posto que já se beneficiam de vantagem pessoal de mesma natureza jurídica, cujo valor monetário lhe é mais benéfico. Se o eventual e futuro benefício, no entanto, em cada caso concreto, tiver um valor monetário superior ao que recebe o mesmo juiz sob a denominação de ATS, ele receberia apenas a "diferença" para a condição que lhe for mais favorável, não havendo, em hipótese alguma, sobreposição de benefício ou acúmulo monetário.



Conclusão
Diante de sistemáticos processos de interpretação da norma Constitucional, viceja com a instituição do subsídio em parcela única, a impossibilidade em afastar as vantagens regular e licitamente até então incorporadas ao patrimônio jurídico dos membros da Magistratura, em especial quanto ao ATS, nos percentuais aos quais os juízes já haviam incorporado ao seu patrimônio jurídico quando da publicação da Lei 11.143/05.
Este é o nosso parecer.
São Paulo, 17 de outubro de 2005.


José Lucio Munhoz
Mauro Schiavi
Saint-Clair Lima e Silva
Gabriel Lopes Coutinho Filho

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