Correio Braziliense publica artigo do Juiz Lucio Munhoz

    O vice-presidente Cultural da AMB e presidente da Comissão Científica do XX Congresso Brasileiro de Magistrados, juiz José Lucio Munhoz, publicou um artigo no jornal Correio Braziliense, produzido no Distrito Federal e com circulação nacional, na edição da última sexta-feira, dia 2 de outubro. Sob o título “A (in) dependência do Judiciário”, o juiz comenta sobre a importância da liberdade para a manutenção da soberania do País e da autonomia entre os poderes para a manutenção do Estado democrático de Direito.
    Munhoz aproveita a temática para criticar os atuais critérios para ingresso nas cortes superiores, especialmente no Supremo Tribunal Federal.  "A indicação dos ministros da corte máxima do país (...), embora submetida à sabatina do Senado Federal, é ato exclusivo do presidente da República. Assim, não se pode negar que há preponderante influência política em sua composição. Além disso, na atual composição do STF, apenas um dos 10 ministros é juiz de carreira”, argumenta o juiz.
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Correio Braziliense (DF)
02.10.2009  15:14
 
A (IN)DEPENDÊNCIA DO JUDICIÁRIO
 
            Só com a autonomia é que, mais de 300 anos depois de descoberto, nasceu o nosso país. “Independência ou Morte” teria bradado D. Pedro I para o surgimento do Brasil, às margens do riacho Ipiranga, em 1822. Essa frase tem um significado absolutamente verdadeiro e atual: a vida só faz sentido se for para ser livre.
            A independência externa, no entanto, não converte automaticamente o país em uma pátria livre. Em muitos momentos da história, embora independente, vivemos períodos de tirania, com censura dos meios de comunicação, castração de direitos políticos, etc.
            Para que um país viva a liberdade e as instituições funcionem baseadas em princípios de cidadania que moderem o Poder do Estado, de modo a que ele não sirva exclusivamente ao monarca, é preciso haver um sistema de “freios” e “contrapesos”.  Assim, já no século XVII, Montesquieu lançou as idéias que dominaram o mundo democrático, prevendo a separação dos Poderes em Executivo, Legislativo e Judiciário.
            Essa separação, até hoje, é a base dos regimes republicanos e se encontra consagrada na nossa Constituição, que prevê o Brasil como um Estado Democrático de Direito, onde os Poderes devem ser independentes e harmônicos entre si.
            Todavia, essa propagada “autonomia” e “independência” previstas na carta constitucional são mitigadas por instrumentos que acabam permitindo que o governo continue interferindo de certo modo em outro Poder e, com isso, retirando-lhe a independência tão necessária para o funcionamento plena da democracia na sociedade brasileira.
            No que diz respeito ao Poder Judiciário (e, por conseqüência, deve ser de interesse de todo brasileiro), sabemos que a corte máxima é o Supremo Tribunal Federal. Quando o cidadão assiste ao julgamento do STF pela TV, ele imagina que aqueles ministros são juízes a muitos anos (afinal, estão decidindo no maior tribunal do país!).
            Todavia, os brasileiros estão enganados. Da atual composição do STF, apenas um (isso mesmo: 01) dos 10 (dez) atuais ministros é juiz de carreira. Essa notícia, certamente, soará como surpresa para milhões de brasileiros. Afinal, todos imaginam que, no mais importante tribunal de um país, atuam juízes de formação. Não é isso, contudo, o que ocorre no Brasil.
            Além disso, a indicação dos ministros, embora submetida à sabatina do Senado Federal, é ato exclusivo do Presidente da República. Assim, não se pode negar que há preponderante influência política na composição do mais elevado colegiado do Poder Judiciário. Um tribunal que deveria ser técnico e independente – justamente para servir de “contrapeso” como nos ensinava Montesquieu –, acaba tendo uma composição política e – pior – sem qualquer vivência com a magistratura, justamente a que será por ele representada.
            É como imaginar o maior colegiado da imprensa brasileira sem jornalistas ou o da OAB sem advogados. Isso, para qualquer pessoa, não parece razoável.
            Não se discute a integridade e dignidade dos componentes do STF. O que não parece razoável são os atuais requisitos e processo de escolha. Para que o Judiciário seja livre de influências políticas e verdadeiramente independente (como deve ser a vontade de uma sociedade que preza os valores republicanos de um Estado Democrático de Direito), seus componentes devem ser oriundos da própria carreira da magistratura, para que tenham experiência como juízes e conhecimento das dificuldades próprias da profissão que vão representar.
            Por outro lado, não se desconhece a importância política também presente na composição de uma Suprema Corte para um país. Desse modo, a escolha deve levar em consideração a postura e ideais de seus membros. Pode-se admitir – e é até adequado que isso ocorra – a participação dos demais Poderes (Legislativo e Executivo) na escolha, mas não é admissível que – como hoje – o próprio Judiciário fique de fora disso, quando, ao contrário, sua participação no processo deve ser obrigatória.
            Os tribunais, por exemplo, poderiam apresentar listas de candidaturas com magistrados de carreira. O STF analisaria e faria uma lista com nomes. O Senado poderia reduzi-la a cinco e o Presidente da República escolheria um deles. Ou vice-versa, pouco importando a ordem do processo de escolha ou o número das listas.
            Não se pode aceitar que o próprio Judiciário não participe do processo de escolha do STF e que os candidatos não sejam da magistratura.
            Se alguém quer ser deputado, enfrente as urnas. Quer presidir a OAB, seja advogado. Para ser Procurador Geral de Justiça, enfrente a carreira do Ministério Público. Assim, quem pretende chegar a uma Suprema Corte, que percorra a longa e difícil carreira da magistratura. Isso colocaria o trem da República em seus devidos trilhos.
            Esse tema, entre outros, será objeto de debate no XX Congresso dos Magistrados Brasileiros, que se realizará em outubro próximo, em São Paulo, sob o tema: “Gestão Democrática do Judiciário”. Magistrados do Brasil inteiro se reunirão para discutir os rumos que pretendem para o Judiciário, de modo a fazê-lo um Poder mais democrático, transparente e com gestão prioritária ao atendimento da coletividade.
            Os juízes, enfim, querem se ver representados no órgão de cúpula do Poder que integram, sem que a escolha possa ser individual e política. Afinal, como disse nosso Príncipe Regente há quase 200 anos, sem independência verdadeira não há vida. E a morte do Judiciário seria terrível para a cidadania brasileira.
* José Lúcio Munhoz é juiz do Trabalho de Criciúma, vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e presidente da Comissão Científica do XX Congresso Brasileiro de Brasileiros.


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